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Tutu de Feijão

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"A solução improvisada para um conflito que existia dentro dela, uma bandeira de paz." Moro há um ano e meio em Portugal e ontem foi o primeiro dia que fiz tutu. Sabes o que é tutu? Tritura o feijão cozido com um pouco de farinha de mandioca e deixa-o engrossar um bocadinho. Vai transformar-se num creme. Depois, preparas uma linguiça (aqui chamam-na de salsicha fresca) com uma boa quantidade de cebola e despejas tudo por cima do creme. O prato é muuuuuito simples, muuuuuito barato e delicioso! Mas o paladar tem particularidades que não se encontram apenas na boca.  O que se quer  nem é o feijão, a farinha ou as salsichas...  é conforto . Uma lembrança que nos embale com carinho quando o chão parece rachado, como se a qualquer momento a terra, por puro capricho do seu próprio paladar, nos fosse engolir inteiros A minha tia Olga fazia o melhor frango com molho pardo do mundo. Quando ela morreu, nunca mais comi algo que se aproximasse do que só ela sabia fazer. E vê, o sangu...

A despedida de um irmão

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A morte não é um espaço preciso, a se resumir em data e hora específicas, como os documentos resumem em “start and off”. Quando, na sala de cirurgia, o médico diz: “Acabou. Não se pode fazer mais nada”, a vida se remexe inteira em outro plano, reivindicando novos espaços de saber. A primeira lembrança marcante que tenho do Matheus já era um convite a novos saberes. Ele estagiava no jornal e eu, como tutora, era responsável por ajudá-lo a produzir reportagens que atendessem a critérios de imparcialidade, impessoalidade, clareza e outras coisinhas éticas das quais não abríamos mão. Lembro-me do dia em que Matheus foi escalado para fazer uma reportagem sobre um acidente em andamento. Na entrada de Santa Isabel, um motorista encontrava-se preso às ferragens. No local dos fatos, o jornal chegou antes da equipa de socorro, e Matheus recebeu a instrução: converse com o motorista até a ambulância chegar. Ele ficou na cabine, com o corpo abaixado, conversando com o homem ferido, que chorava mui...

Carta para Minduim

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Autocarro das 10h14, linha Praia de Santa Cruz rumo a Torres Vedras. Minduim, É sempre assim: sento-me a ver a estrada e logo penso em escrever para ti. E, porque você nunca morre e nem quero matar-te em mim... sigo escrevendo. Esta manhã, apareceu-me assim, sem qualquer aviso, Um sopro de vida , o último livro que partilhamos da Clarice! Tu sabes que pastos com aragens frescas podem, eventualmente, ser tomados de estrelas. Às vezes, olho para o céu e te chamo. Tu vês-me daí? Ainda podes ouvir-me? Olha que trecho que deitou-se ao meu colo é daqueles de boas conversas, looongas conversas: "Deus é uma coisa que se respira. Eu não tenho fé em Deus. A sorte é às vezes não ter fé. Pois assim, um dia, poderá ter A Grande Surpresa dos que não esperam milagres. Parece, aliás, que milagres acontecem como maná do céu, sobretudo para quem em nada crê. E essas pessoas nem notam que foram privilegiadas. Cansei de pedir. Para que o milagre aconteça, é preciso não esperá-lo." Estou mandando...

No Caminho

Minduim,   É verão e o sol das 13h faz o asfalto ficar mole à vista. Sigo para Lisboa; gosto tanto de escrever esta frase!   Lisboa sempre foi um sonho a ser alcançado. Portanto, sempre que sigo para lá, lembro-me de todas as coisas que fazem nossos pés seguirem um determinado caminho.   E essa seria a reflexão perfeita para nos escrever abundantemente: poesia, conto, elegia... Escrever como bilhete de passagem para a vida.   Nos últimos anos, aprendemos tanto... e ainda há tanto caminho.   Na noite passada, quando briguei contigo, restaram na casa: ausência e silêncio. . . . . E meu pedido de desculpas e meu agradecimento por tudo. . . . . Depois, ficamos ali em silêncio. Até a despedida virar um novo encontro. . . . . Hoje, sentada no banco mais alto do autocarro, percebo que não há outra pessoa para quem gostaria de escrever sobre ir a Lisboa.   Sobre estar na cidade do nosso poeta preferido, sobre ser uma Pessoa. Então, esc...